Dagmar Hagelin |
O sol matutino do verão rasgava as nuvens naquele
despertar de dia e a rua El Palomar recebia sua devida iluminação. O ano de
1977 começava pesado tanto para a Argentina, cujo governo acabara de ser tomado pelo Processo de Reorganização Nacional, quanto para a Srta. Norma S. Burgos,
que acabara de perder sua filha. Esta última, porém, levava vantagem sobre sua
pátria, pois podia contar com o consolo de Dagmar Hagelin; uma bela jovem de
quem se amigara recentemente.
Dagmar atravessava com ânimo (embora que comedido) a rua de El Palomar; se comprometera a prestar condolências a sua amiga, mas logo que de lá saísse, pediria o carro a seu pai e poria em pratica seu plano de passar o que lhe restava de recesso colegial tomando banhos de sol, aos sons de ondas na praia. Alcançou o portão da residência dos Burgos e foi cordialmente atendida pelo ansioso e abalado Sr.Burgos (pai solteiro de Norma), que segurou-lhe a porta para entrar e quis ajuda-la a subir as escadas, qual configura a obrigação cavalheiresca predominante entre os argentinos.
Dagmar, dispensou, porém tal gentileza; seria afinal redundante para ela, não só por sua idade mas pela sua grande disposição (era uma atleta e seu corpo de pele alva europeia ressaltava sua propensão esportiva).
Dagmar atravessava com ânimo (embora que comedido) a rua de El Palomar; se comprometera a prestar condolências a sua amiga, mas logo que de lá saísse, pediria o carro a seu pai e poria em pratica seu plano de passar o que lhe restava de recesso colegial tomando banhos de sol, aos sons de ondas na praia. Alcançou o portão da residência dos Burgos e foi cordialmente atendida pelo ansioso e abalado Sr.Burgos (pai solteiro de Norma), que segurou-lhe a porta para entrar e quis ajuda-la a subir as escadas, qual configura a obrigação cavalheiresca predominante entre os argentinos.
Dagmar, dispensou, porém tal gentileza; seria afinal redundante para ela, não só por sua idade mas pela sua grande disposição (era uma atleta e seu corpo de pele alva europeia ressaltava sua propensão esportiva).
Por fim entraram.O Sr. Burgos esperou até o ultimo segundo para manter aberta à porta e, antes de fecha-la, sentiu um ímpeto de revistar o horizonte. Desviou sua atenção para cada casa na vizinhança e desceu seu olhar para os táxis que corriam a rua naquele momento. Desconfiou de algo e suspirou. Fechou a porta e juntou-se as mulheres conversando na sala.
Um grande desabafo. Toda aquela discussão era sobre
isso: desabafar sobre a perda de alguém. Dagmar viu Norma chorar, o que fez que
ela mesma chorasse e que ambas precisassem do acolhimento do Sr. Burgos. Não
muito depois, as lágrimas se secaram e tomaram juntos seu dejejum. À mesa a
conversa aflorou, surgiram os fofocas, os chistes e por fim alguns sorrisos.
Voltaram para mais uma rodada de depressão na sala, mas superaram-na com muito
mais facilidade. Como sempre em tais ocasiões, os minutos iniciais se dilataram
rapidamente em horas e, apesar de ainda ser cedo, Dagmar achou de bom tom não
mais estender a sua estadia. Se despediu da então aliviada Srta. Burgos que
compreendeu, agradecida e sem pesares à sua partida e deixou-se ser acompanhada pelo Sr. Burgos a porta da
casa, onde então despediu-se dele também.
Desceu degrau por degrau a escada que levava a calçada e abriu os portões
brancos destrancados que davam para a rua; sempre assistida pelo Sr. Burgos que
se recusava a fechar a porta antes que uma visita estivesse claramente fora de
sua casa, onde dela se responsabilizaria por qualquer mal que lhe afetasse. Por
sorte, foi só quando Dagmar pisou para o lado de fora do portão que dois homens
gigantescos, devidamente fardados agarram-na pelo pescoço num mata-leão. O Sr. Burgos tentou reagir mas um par de HP
DETECTIVE s apontaram para sua cabeça. Apavorado, pode assistir de camarote
como a expressão da garota se convertia lentamente de mesmerizada para
angustiada e aterrorizada. Seus olhos azuis lacrimejaram, mas foi num momento
de distração dos militares que ela se contorceu, soltando-se e começou a
correr.
- Atras dela, Peralta!
Ouviu um dos homens gritar, embora não lhe tenha dado muita atenção, afinal, estava correndo a uma velocidade absurda, alimentada apenas pela adrenalina. O que sim ouviu, minutos depois daquilo foi a ameaça de abrir fogo que um deles fez, caso se recusasse a parar de correr. “Um absurdo, ela pensou, apenas um lunático apertaria o gatilho numa rua movimentada como aqu...”
Ouviu um dos homens gritar, embora não lhe tenha dado muita atenção, afinal, estava correndo a uma velocidade absurda, alimentada apenas pela adrenalina. O que sim ouviu, minutos depois daquilo foi a ameaça de abrir fogo que um deles fez, caso se recusasse a parar de correr. “Um absurdo, ela pensou, apenas um lunático apertaria o gatilho numa rua movimentada como aqu...”
Antes que pudesse terminar seu raciocínio, uma bala
se alojou em sua nuca, tornando seus cabelos outrora loiros e firmes e
vermelhos e empapados, enquando sua testa aterrissava sobre um canteiro de
cimento.
Os homens se mobilizaram: um deles foi até o meio da rua e chamou um taxista,
exigindo seu veículo em nome do estado e cortando suas desculpas para não empresta-lo; o outro se aproximou da
jovem e a pegou nos braços. Eram loiro de um semblante calmo e rígido e
permanecia sério mesmo sobre a pressão com que dava ordens a seu subordinado. Junto ao taxista, abriram o porta malas do
veículo e atiraram a garota lá.
Num lampejo de lucidez, ela se despertou e tentou resistir a porta do compartimento, empurrando-a para cima, buscando uma brecha pela qual passar. Seus braços, no entanto, cederam; e, apesar do alvoroço que instaurara, perdeu a disputa com o Capitão cuja figura se prostrava justamente entre ela e o sol que refletia dourado em seu cabelo como um satírico anjo da morte.
Num lampejo de lucidez, ela se despertou e tentou resistir a porta do compartimento, empurrando-a para cima, buscando uma brecha pela qual passar. Seus braços, no entanto, cederam; e, apesar do alvoroço que instaurara, perdeu a disputa com o Capitão cuja figura se prostrava justamente entre ela e o sol que refletia dourado em seu cabelo como um satírico anjo da morte.
O porta-malas foi trancado perante os múltiplos
olhares de espanto.
Era 27 de fevereiro de 1977.
- Guillermo Murúa
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